História

A localização privilegiada desta colina, no encontro do Zêzere com o Tejo, cedo atraiu populações humanas que a habitaram desde épocas recuadas. Diz-se que no período romano o povoado se chamava Pugna Tagi (luta do Tejo, numa alusão à violência com que então o Zêzere desaguava), de onde terá derivado o nome Pugnete e depois Punhete que a vila teve até ao século XIX.

Numa época em que o transporte de mercadorias se efetuava sobretudo por via fluvial, a proximidade dos dois rios fez deste lugar um movimentado porto, dos mais importantes do Médio Tejo, onde se concentravam os produtos da região e os que chegavam por terra do Alentejo e pelo Zêzere do Pinhal e da Serra da Estrela para daqui seguirem para Lisboa, em barcos de água acima que, na viagem de regresso, traziam os produtos da cidade para serem distribuídos pelo interior do país.

O crescimento da povoação durante os primeiros séculos da nacionalidade justificou que o rei D. Sebastião, em 1571, a fizesse vila e criasse o concelho, desanexando-o do de Abrantes. Do século XVI era o palácio renascentista, mandado erguer por D. João de Sande, senhor de Punhete, cerca de 1530, sobre uma estrutura pré-existente que fora fortaleza mourisca e castelo medieval. Esse palácio, onde o próprio D. Sebastião se hospedou diversas vezes, ficaria desabitado no século seguinte e entrou em ruína. Dele, no início do século XX, apenas subsistia uma torre que acabou por ser demolida em 1905. Desse conjunto monumental nada resta hoje, a não ser o chão plano onde se situava, na margem do Tejo junto à confluência, a que o povo continua a chamar a Torre.

A vila tem uma especial relação de afeto com a memória de Luís de Camões: uma muito antiga tradição popular afiança que o poeta nela terá vivido durante algum tempo, cerca de 1546-47. O Monumento a Camões do escultor Lagoa Henriques, o Jardim-Horto de Camões desenhado pelo arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles e a Casa-Memória de Camões, erguida sobre as ruínas da casa quinhentista onde o épico terá vivido, bem como as Pomonas Camonianas que se realizam pelo 10 de Junho, dia de Camões, fazem de Constância a vila mais camoniana de Portugal.

Para além da sua importância económica, proporcionada pelo porto fluvial e pelos estaleiros de construção e reparação naval de que dispunha, a vila foi também, por muito tempo, um lugar crucial do ponto de vista estratégico, quer na defesa militar do Tejo quer na travessia do Zêzere onde ainda não havia pontes fixas. Na primeira invasão francesa, ocorrida no chuvoso outono de 1807, as tropas do general Junot que tinham por objetivo chegar depressa a Lisboa, acabaram retidas durante três dias na vila, impossibilitadas de cruzar o caudaloso Zêzere, a esse atraso se devendo a possibilidade que a família real teve para abalar para o Brasil, livrando-se de ser aprisionada. Diz-se que os franceses fizeram grandes desmandos e provocaram importantes estragos na vila, designadamente na velha igreja matriz de São Julião que teve de ser demolida, surgindo em seu lugar a Praça Nova, depois chamada Praça Alexandre Herculano, onde, em 1821, foi colocado o atual pelourinho, peça de grande beleza estética e valor patrimonial.

Entre os muitos reis que visitaram esta terra merece especial destaque D. Maria II que aqui esteve em 1836 e, a pedido dos habitantes, que não gostavam do nome da vila, o mudou de Punhete para Notável Vila da Constância, em atenção à constância demonstrada pela sua gente no apoio à causa liberal.

Em 1861 foi construída junto à vila a ponte de ferro para passar o comboio da linha do leste. Foi a primeira ponte fixa sobre o Tejo em território português. Grandes melhoramentos, em termos de travessia dos rios, foram depois a construção, em 1892, da ponte de ferro sobre o Zêzere e, mais recentemente, em 1995, da ponte de betão por onde passa a autoestrada A 23. Vila de rios, Constância é, naturalmente, uma terra de pontes.

Da freguesia de Constância faz parte o território de Constância Sul, na margem esquerda do Tejo, onde se encontra a fábrica da Caima, a primeira grande indústria que se instalou no concelho, em 1960. É também nessa parte da freguesia que se ergue, numa colina, a capela de Santo António, herdeira de uma das primeiras capelas construídas em Portugal, em 1232, para culto ao popular santo.

Do rico e diversificado património construído da freguesia são ainda de destacar a magnífica igreja matriz de Nossa Senhora dos Mártires, no alto da vila, a Igreja da Misericórdia e a capela de Sant’Ana. No alto de Santa Bárbara situa-se o Centro Ciência Viva de Constância – Parque de Astronomia, um dos mais bem equipados e mais dinâmicos equipamentos do seu género em Portugal.

Durante o muito longo período em que a vila foi um importante porto fluvial e entreposto de comércio ganhou crescente importância económica e social uma numerosa classe de marítimos. Receosos dos perigos da navegação, esses homens acolhiam-se à proteção da Senhora da Boa Viagem, dedicando-lhe, na segunda-feira de páscoa de cada ano, uma belíssima e muito significativa festa que incluía a procissão e a bênção dos barcos – tradição que permanece viva no nosso tempo, estabelecendo a ligação entre o longo passado fluvial e o presente de uma terra sempre de olhos postos nos rios da sua vida.

António Matias Coelho